Beber muita água: uma lenda urbana moderna
Fonte: Portal o que eu tenho?
Frequentemente
ouvimos as pessoas dizerem que cuidam de sua saúde ingerindo vários litros de
líquidos ao dia. Trata-se de um equívoco que denominamos de lenda urbana
moderna.
O organismo tem mecanismos muito sensíveis para controlar
a quantidade de líquidos que a pessoa deve ingerir por dia e a ingestão
exagerada não faz bem à saúde, exceto para as pessoas formadoras de “pedras nos
rins”, para as quais beber de dois a três litros de água por dia faz parte
fundamental do tratamento.
O cérebro controla uma quantidade de receptores
distribuídos por todo o organismo que medem a quantidade necessária de água que
deve ser ingerida. Isto ocorre porque os líquidos do corpo têm uma determinada
concentração de substâncias e o excesso de água pode diluí-los e “inchar” as
células, fazendo mal a elas. A falta de água, do mesmo modo, também é
prejudicial às nossas células.
Quando, ao se submeter a um exame, o laboratório
solicita que o paciente tome vários copos de água rapidamente, os dois primeiros
são passíveis de serem tomados. Ao ingerir o terceiro ou quarto copo, já começa
ocorrer uma certa náusea e até uma vontade de vomitar que impede a pessoa de
beber mais. Isto acontece porque o organismo mede que aquela ingestão exagerada
de água poderá diluir os líquidos e fazer mal às células.
Quando se está com sede, ingere-se exatamente a
quantidade de água necessária. Este treinamento, que ocorre ao longo da vida,
faz com que baste um olhar para a quantidade de líquido num copo para medir o
volume necessário a ser ingerida. Frequentemente não se enche um copo de água
quando se tem pouca sede.
Mesmo ao se ingerir água quando se está com sede, a
ingestão é interrompida antes que ela atinja o estômago ou seja absorvida pelo
sangue. Isto ocorre porque os receptores que estão distribuídos na boca
são capazes de detectar que aquele fluxo de água que ali está passando será
suficiente para repor o que o organismo necessita. Os bebês que estão no
período de amamentação, por exemplo, raramente necessitam de água, pois o leite
materno tem a quantidade de líquido suficiente para hidratá-los.
Outra comprovação disso é que a ingestão de um ou
dois copos de água quando não se está com sede leva à necessidade de urinar
logo depois. Isso porque os rins eliminam o excesso de água no organismo para
manter o equilíbrio da concentração dos líquidos.
Durante o sono, em geral, a pessoa passa a noite
toda sem acordar para urinar. Isto ocorre porque o cérebro sabe que nesse
período não vai haver ingestão de água. Existe a liberação de um hormônio
denominado anti-diurético que pede ao rim que poupe água durante a noite. Por
isso a urina produzida à noite é muito concentrada, impedindo o enchimento da
bexiga e, portanto, não atingindo o desejo de urinar, o que faria a pessoa acordar.
Por esse motivo os laboratórios solicitam para exames a primeira urina da
manhã, uma vez que ela é mais concentrada e mais fácil de encontrar eventuais
defeitos.
A ingestão de água também é proporcional à
quantidade de sal que a pessoa ingere. Este é mais um exemplo que o organismo
tenta manter constante a concentração dos seus líquidos. Se a comida consumida
for salgada, há necessidade de ingerir água suficiente para diluir aquele sal.
Algumas horas depois, os rins eliminam tanto o sal quanto o líquido ingerido.
Por outro lado, uma pessoa que ingere mínimas quantidades de sal raramente tem
sede.
Todos esses exemplos servem para mostrar que o
organismo sabe informar a quantidade exata de água necessária e que não há
razão para tomar água sem sede.
Existem distúrbios deste equilíbrio, como o
Diabetes Insípidus, onde a falta parcial ou total do hormônio anti-diurético
promove uma urina bem diluída e existe a necessidade de repor a água perdida na
urina ingerindo-se bastante água. Um acontecimento também frequente é o caso de
diabéticos mal controlados que têm uma glicemia muito elevada, causando
bastante sede.
Assim, quando ouvir alguém dizendo que ingere
propositalmente grandes quantidades de água mesmo sem sede para manter a saúde,
informe-o que está equivocado.
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por Elias David-Neto, Co-coordenador do
Núcleo Avançado de Nefrologia e Diálise do Hospital Sírio-Libanês
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