Destaco abaixo trecho desse livro e link referente publicação da Folha.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u469601.shtml
AUTO-OBSERVAÇÃO
"Recomendo aos pacientes que escrevam, façam memorandos, anotem tudo. A indolência e o desleixo são obstáculos para alcançar os verdadeiros sintomas dos pacientes." Escritos menores - James Tyler Kent
A auto-observação significa muito para o homeopata, pois, como ela trabalha com todos os sintomas do paciente, qualquer característica individual marcante é um tipo específico de sintoma e toda informação é bem-vinda. Além disso, quanto mais se souber acerca do paciente, melhor será - no presente ou no futuro: seus dados sempre poderão ser checados e confrontados com os novos sintomas.
O paciente deve estar atento a tudo o que acontece - tudo, desde sensações estranhas até sentimentos circunstanciais: uma dor incomum, determinados sonhos na infância, sede muito intensa, vontades esquisitas, aversão ou desejo exagerado por algum alimento. Por exemplo, um choque na palma das mãos que sobe na direção do pescoço e desce pelo braço; um formigamento na ponta da língua que começa às 11 horas da manhã e piora com o tempo quente; transpiração exagerada em determinada parte do corpo; depressão com predomínio do medo que só ocorre em dias chuvosos, uma espécie de êxtase durante a transpiração, e assim em diante.
Parece risível; no entanto são sintomas que existem, estão nos livros de referência - basta consultar.
Mas o que teria a ver um sonho de infância com uma dor de cabeça atual Parece não haver ligação entre uma coisa e outra, mas ela existe e é importante na busca dos sintomas do doente e da doença para a escolha do medicamento homeopático correto.
Os sintomas individuais podem ser antigos, sem nada a ver com o quadro atual nem com o problema clínico que o paciente apresenta. Assim, um sonho recorrente na infância pode ter para o homeopata uma importância tão grande como um sintoma atual - no caso, a dor de cabeça.
Não é exatamente como a medicina encararia o problema. Ou melhor, não era. Já existem médicos e pesquisadores não-homeopatas que admitem uma espécie de unidade funcional que conecta os sintomas. Quando a análise não contempla essa unidade, pode-se destramar a compreensão de um quadro clínico. Quando este se rompe, a história perde sua seqüência e se fragmenta a ponto de os sintomas parecerem desvinculados. Na análise clínica, portanto, eles fazem mais sentido quando é mantido o elã.
Como exemplo, vamos supor alguém que quando criança e sem motivo aparente tivesse muito medo de vento. Hoje isso não significa mais nada para a pessoa, mas não se pode negar que essa era uma característica marcante na sua infância e provavelmente ainda é, pois quando se trata de nosso estado mental não é simples como passar uma borracha sobre as sensações para fazê-las desaparecer. Ao contrário, na memória elas podem estar mais vivas do que se supõe. Isso reforça aquele ponto já referido, quando a eventual volta provisória de sintomas antigos pode ser um dos indícios da eficiência do tratamento.
Porém, nada de sínteses. Os relatos devem ser em detalhes, principalmente naqueles aspectos inexplicáveis ou sem lógica aparente. É importante também lembrar-se de sintomas relacionados à memória, concentração e atividade mental. São particularmente importantes e por isso devem ser descritos em minúcias.
O ideal é anotar tudo o que for sendo percebido durante o tratamento. Isto é muito importante, já que pode tornar-se um hábito saudável no trabalho de auto-observação. Existe um recurso muito versátil, que são os minigravadores, pois facilitam o registro e tornam-se assim interessantes ferramentas para essa finalidade. As comunicações por correio eletrônico também são válidas. Caso não seja possível utilizar nenhum desses recursos, lápis e papel são suficientes.
Depois, é deixar-se levar pelo livre fluxo dos pensamentos e ir anotando, fazendo o que os homeopatas chamam de relato livre. Ele deve conter tudo o que ocorreu após a ingestão do medicamento: o horário, as datas em que os sintomas melhoraram ou pioraram. Se surgiram novos ou se os antigos voltaram - tudo deve ser anotado e relatado.
É claro que se deve prestar atenção, mas não "forçar a barra", enxergar demais. O melhor é a espontaneidade, pois faz com que o paciente se deixe levar por sentimentos autênticos que o dominam no momento em que escreve o relatório, o que permite que registre sem censura o resultado da auto-observação. O relato livre até estimula a criatividade, pois será menos esquemático, menos rígido, podendo se transformar numa atividade agradável.
É claro que não se deve anotar só as coisas mais palpáveis e objetivas, pois "o discurso escrito nunca substituirá o falado", como bem observou o filósofo Paul Ricoeur (1913-2005).
A escrita e a fala são duas naturezas discursivas totalmente distintas como recursos da expressão humana. Complementando o assunto anterior, não faz sentido restringir-se ao "palpável e objetivo", pois tudo deve ser anotado com a máxima precisão, inclusive um sonho, fantasia ou devaneio. Esses dados também fazem parte da análise que será feita nos retornos e merecem muita atenção.
A maioria das pessoas não se lembra dos sonhos de forma espontânea. É preciso criar o hábito de registrar, por escrito ou gravado: a técnica consiste em anotar qualquer cena ou imagem de sonho que vier à mente assim que se despertar - a melhor hora para este exercício. Com isso os sonhos virão cada vez mais nítidos, podendo ser lembrados em detalhes.
Descrevê-los com o máximo detalhamento possível será sempre melhor do que uma descrição geral e sem precisão. Simples lampejos retomados podem se transformar em longas histórias.
Se o paciente não consegue anotar, não quer dizer que não possa ser tratado, mas sempre haverá prejuízo na presteza e até na eficiência do tratamento. Porém isso não pode se transformar num problema, a idéia é fazer o que for possível.
Um assunto importante diz respeito à observação de crianças. Não há regra especial para observá-las, apenas ter cuidados especiais a fim de não projetar as expectativas e preconceitos dos pais na hora de descrevê-las. Elas precisam ser observadas de forma isenta; os pais devem anotar o que dizem, como argumentam e, se houver sonhos, explorá-los junto com a criança.
Será inútil se apenas se fizer uma descrição geral, como se fosse a imagem comentada de uma foto, parada, estática, sem movimento. Deve-se aprofundar a observação de modo que se transforme num verdadeiro "filme" para que o médico possa ver a criança "em ação", ou seja, em seu processo de vida. Além disso, durante as consultas é saudável estimular as crianças a verbalizar sensações e sintomas com suas próprias palavras.
Uma regra básica é descrever o que se vê ou percebe, sem interpretações, anotando as palavras exatas que a criança diz, sem se deixar levar por teorias a respeito. Isso é fundamental. Muitos pais levam para o médico só o que acham de seus filhos, mas omitem o principal, o que a criança efetivamente é.
Essa é realmente uma tarefa difícil, pois todos se contaminam por tabus e preconceitos. Também se sabe quanto são ingênuas as tentativas de eliminar vícios antigos por meio de conselhos ou decretos. O desejável é que, consciente desse "vício", cada um possa neutralizar seus filtros, relatando, do fundo do coração, o estado de cada pessoa - criança ou adulto - observada.
No caso de um bebê, o procedimento não muda, não importa a idade. Desde o berço as pessoas adotam uma forma característica de ser, têm um jeito singular de mostrar quem são. Observando bem, cada bebê tem seu temperamento, suas vontades, seu modo de mamar, de transpirar, de preferir determinada posição na hora de dormir - algumas manias e características que são, afinal, os primeiros predicados do ser humano. Cabe ao médico definir quais os aspectos mais peculiares e comuns a cada faixa etária.
Convém lembrar que mesmo gêmeos idênticos demonstram características mentais diferentes. Notar ou não determinados aspectos da personalidade vai depender do grau de atenção que se dá a eles e a isenção com que se consegue captá-los.
Para o adulto, de uma forma geral, valem as mesmas recomendações que as feitas para a criança. O modo ideal, entretanto, é que todos se expressem livremente na consulta - e deixando as descrições de pais, amigos e parentes quando elas se fizerem realmente necessárias, como complementação.
Pode soar estranho, mas, de fato, outras testemunhas podem acrescentar algo sobre pacientes - e isso deve ser encarado como um recurso para adicionar dados de que o homeopata precisa para medicar. Hahnemann o recomendava quando considerava que outras pessoas poderiam fornecer detalhes sobre a personalidade do paciente, muitas vezes ignorados por ele.
Por exemplo, minúcias sobre a infância (no caso de pais ou parentes próximos), coisas sobre as quais o paciente não tem lembrança ou certos aspectos que não achava importante contar.
Esse é um dos motivos pelos quais os homeopatas anotam tudo o que o paciente diz: quanto mais fiéis os registros dos sintomas, maiores as chances de sucesso no tratamento.
Também são interessantes os desenhos, cartas, diários e outras anotações pessoais que podem fornecer elementos preciosos para determinado momento do tratamento.
Em geral, as dúvidas impedem que as pessoas encarem a homeopatia como uma forma séria de tratamento, porém é possível que o leitor já tenha elementos para julgá-la. Os esclarecimentos podem ter sido úteis; no entanto, outras dúvidas podem ser esclarecidas por meio de mais leitura e - o que seria melhor - durante a vivência de um tratamento homeopático.
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